20 setembro 2005

"Engraçado e Esquisito"


Lá nos grupos de discussão que participo, uma colega relatou uma experiência que a mesma denomina como algo "engraçado e esquisito". Ela, que mora em Fortaleza-CE, passou um final de semana em Manaus-AM. No seu relato da vivência em terras manauenses, ela nos conta que não ficou calada um minuto, mesmo gaguejando mais do que em sua terra natal. Fala também que "em nenhum momento, me senti intimidada a deixar de falar por causa da gagueira, pelo contrário, eu gagueijei mais por lá, mas não sentia vergonha da minha fala." Porém, só foi chegar à Cidade do Sol para voltar "tudo ao normal", para voltar a ter vergonha de sua fala.

Essa situação merece uma reflexão. Por que ela, apesar de ter gaguejado até mais, não se sentiu constrangida com isso? A resposta talvez seja simples: "É porque ela estava em um lugar desconhecido, com pessoas desconhecidas", diriam muitos. Isso é bem verdade. Simplista, mas verdadeiro. Porém, pode haver outros desdobramentos. Eu acredito que o fato dela não ter se envergonhado está muito mais ligado ao fato dela ter se visto diferente, em um lugar também diferente, do que por simplesmente está com pessoas estranhas e que talvez nunca mais as veja novamente. Tenho essa impressão pois é comum, nós gagos, ao viajarmos para outros lugares, termos muitos momentos de fluência; alguns apresentam fluência durante todo o período fora, mas quando retornam ao lar "volta tudo". Se percebermos, estamos jogando a "culpa" das nossas fluências, também, nos outros. Mas é por nos olharmos com outros olhos, nos percebermos de outra forma, por nos desligarmos das nossas crenças, por apresentarmos outros comportamentos, que apresentamos significativas melhoras em nossa fala. Isso mostra que temos capacidade para nos livrarmos da gagueira.

Para corroborar comigo, repito um trecho do livro de Silvia Friedman, que coloquei na postagem, do dia 12/09, "Crer para ver!":

"A ausência de gagueira num lugar novo e entre pessoas desconhecidas permite-nos ressaltar também a importância da história de vida das situações habituais para a ativação da forma habitual de produção de si. Permite-nos lembrar ainda que Van Riper (1971) já sugeria a seus pacientes modificações aparentemente inócuas e periféricas à gagueira, como ir a lugares novos, usar roupas diferentes, etc., para que eles se vissem de uma maneira diferente; achava que assim ajudava-os a reconfigurar a imagem de falante ou, usando a linguam dele, a reconfigurar a motricidade."


Contrariamente ao que afirmou Silvia, a colega não experimentou a "ausência de gagueira", mas experimentou da aceitação, o que é um passo importante para sair da gagueira sofrimento. Não tenho certeza, pois ela não tocou nesse assunto, se ela também não tentou colocar a fala em um local idealizado, através dos famigerados truques. Caso ela tenha feito isso, de acordo com a minha experiência e com a teoria de Friedman, posso dizer que com mais algum tempo ela seria uma outra pessoa.

Tenho para mim que se essa colega ficasse uns dois meses em Manaus, agindo como agiu no final de semana (aceitando suas disfluências, aceitando sua fala e aceitando-se), as disfluências com um certo tempo ficariam sem tensão, perderiam forças, ficariam leves, tendo em vista que ela não interferiu no espontâneo, não entrou no ciclo vicioso da gagueira (pensa que vai falar, usa truques para "falar direito", gera tensão, gagueja, usa mais truques, fica decepcionado...), com isso, muito possivelmente ela ganharia uma nova dinâmica verbal.

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