08 novembro 2005

Relatos de um Paciente - Parte I

Amigos, primeiramente quero me desculpar pela ausência de novas postagens neste blog. É que estou muito ocupado, estudando bastante.

Mas, para não deixar este espaço muito abandonado, colocarei um relato do paciente G.A. que li no livro "Tratando Gagueira - Diferentes Abordagens", organizado pela Fonoaudióloga Isís Meira, ela também foi a responsável pelo tratamento do paciente em destaque.

O relato é relativamente extenso, por esse motivo dividirei-o em três partes. Uma breve introdução: o paciente teve o nome preservado pela fonoaudióloga. G.A é formado em Administração de Empresas, seu trabalho exigia bastante comunicação verbal, o que o deixava muito ansioso e preocupado. O medo, a vergonha de se mostrar gago estava interferindo na sua carreira profissional e o impedindo de crescer. G.A. dedicou-se à terapia, evoluiu bastante em relção à fala e em sua última sessão, surpreendeu a fono “com um relato sobre todo o seu processo, cheio de dificuldades, de altos e baixos, de idas e vindas, mas que evidenciava uma tomada de consciência progressiva, uma mudança trabalhada, que aos poucos se tornava definitivamente parte de seu modo de pensar a gagueira”.

Decidi colocar este relato aqui, pois tem muita coisa parecida com a minha evolução, está muito bem escrito e pode/deve servir de estímulo a todos que sofrem por gaguejar. Tenham todos uma boa leitura.


Minha Terapia (parte I)


Minha vida até antes da terapia de gagueira que eu estou agora fazendo era um caos interior. Tentei buscar por todos os meios imagináveis e possíveis, a solução imediata para meu problema. Vivia frustrado, ansioso, com medo das pessoas, com medo das situações, com medo das palavras, com medo de gaguejar, com medo de ser eu mesmo. Tinha pesadelos, dores de estômago, vontade de fugir; não queria que me identificassem como gago de jeito nenhum. Todas as tentativas feitas para “curar” minha gagueira tinham sido frustradas e eu me acreditava irremediavelmente condenado a viver minha vida como um “gago”. Tinha lido e sabia que muitos tinham conseguido vencer a gagueira e que agora eram pessoas de destaque. Mas eu já não me acreditava com possibilidades de vencer, ou seja, “curar” minha gagueira. Não tinha mais confiança em nenhum método ou forma que me curasse do problema e da situação desesperadora em que eu me encontrava.
Fiz muitos tratamentos com pessoas que se interessaram por meu caso, e obtive algumas melhoras temporárias, mas depois de algum tempo retornava ao meu velho hábito de gagueira e insatisfação interior. Fiz também um tratamento por correspondência, mas neste eu não obtive melhora. Foi quando comecei esta terapia como última tentativa para “curar” minha gagueira.
Pensei que então tinha achado a “pílula mágica” para resolver meu problema. Mas o que ocorreu não foi nada disso. A terapia desenvolveu-se em uma abordagem totalmente diferente daquela que eu esperava. Eu esperava que com algumas sessões ficaria curado de imediato. Foi quando soube que eu era o responsável pelo tempo que gastaria, ou seja, eu trabalharia no meu problema; e que apenas eu deveria e poderia “curar” minha gagueira. E soube de mais uma coisa: que era totalmente impossível eu deixar de ser gago, isto é, eu deixar de ter a possibilidade de gaguejar. Eu poderia não gaguejar, se me mantivesse cuidando da gagueira, mas eu continuaria sendo um gago, mesmo que a gagueira nunca mais aparecesse.
Comecei então minha terapia da gagueira. Percebi que na gagueira tinha um círculo vicioso onde se podia enumerar com exatidão dois pontos: a tensão acentuada no corpo, a emoção e a não-aceitação que eu sentia.
Tudo ainda me parecia nebuloso e difícil de compreender. Sabia que estes pontos, quando em equilíbrio, funcionavam conjuntamente. Por ora deveria trabalhá-los individualmente para percebê-los, mas naturalmente, para mais adiante, eles começariam a se complementar.
Aprendi que deveria detectar o que realmente sentia e o que ocorria em mim quando gaguejava.
Pelos exercícios de relaxamento fui percebendo o estado de tensão em que me encontrava. Meu corpo estava totalmente desregulado e desequilibrado. Aos poucos fui percebendo-me com todas as partes tensas; músculos, movimentos, gestos, juntas etc. Trabalhei com relaxamentos acentuados, para perceber minha tensão no corpo inteiro, já que no momento da gagueira muitas partes do corpo tinham a tensão alterada. Um pouco cada dia percebia que ia modificando meu estado de tensão em um estado de maior relaxamento e
bem-estar.
Toda a musculatura que participava especificamente da gagueira, atuando de uma forma imprópria, inadequada, foi também muito trabalhada. Além do trabalho executado durante as sessões, foi meu dado como tarefa trabalhar em casa, contato que este trabalho pudesse ser feito de forma consciente.
Conjuntamente a esse trabalho da tensão do corpo, trabalhei-me no aspecto ligado diretamente à fala. Quis modificar minha maneira de falar, ou seja, de gaguejar, de uma maneira tensa e afobada, apressada e rígida, para uma soltura geral. Também aqui percebi que houve um crescimento constante e uma mudança progressiva e importante com respeito aos gaguejos.
Mas isso não era tudo. Ainda sentia medo, frustração, vergonha, ansiedade, vontade de fugir. Procurei então, com a ajuda da terapia, enfrentar e descobrir o que me deixava neste estado de angústia interior e vontade de fugir. Aí foi que descobri o que de mais importante achei na terapia e que aos poucos foi se desenvolvendo para uma para uma maior segurança e posicionamento na realidade.
Descobri que o que era mais importante era o que se passava dentro de mim, o que eu sentia dentro de mim com respeito à gagueira. Aos poucos fui percebendo que o aspecto emocional está ligado intimamente à fala e ao equilíbrio interno. Meu equilíbrio interior estava totalmente desconcertado e desequilibrado, de modo que a não-aceitação da gagueira a angústia e a frustração iam aumentando cada vez mais. A minha grande descoberta então, foi com respeito à atitude interna, que ficava escondida ou reprimida. O que era mais importante não era o que aparecia, ou seja, a gagueira, mas o que me conduzia a ela. Percebi que a gagueira mais acentuada só aparecia quando eu me encontrava em um estado de medo, frustração, fuga, ansiedade e vergonha; isto é, quando internamente eu estava abalado e desequilibrado ela se intensificava e ficava mais difícil mudar os meus hábitos musculares que formavam a gagueira. Eu soube, então, que a gagueira era um hábito que sempre ocorria para mim em determinadas situações.



continua...

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