04 julho 2007

A Manifestação da Gagueira (parte IV)

"4 - A lógica paradoxal, essência da gagueira na qual se observa tensão, materializa-se na tentativa de falar bem (tentar o espontâneo). Esse modo de produção da fala desestrutura-a, porque o sujeito acredita saber de antemão o que irá acontecer com sua articulação e acredita em algo que não quer que aconteça. Assim, o movimento espontâneo de elevação do diafragma para produzir a voz é acompanhado de um movimento de fechamento das cordas vocais, que segura a produção automática dos movimentos da fala para poder prevenir o suposto gaguejar. Frequentemente é esse o comportamento motor que promove a ruptura do fluxo da fala. A ele vão-se somando toda uma série de outros comportamentos motivados pela tentativa de evitar a fala que ficou presa ou de desencadeá-la, sendo que tudo isso é feito para falar bem. Esses comportamentos, de modo geral, incluem a substituição rápida das palavras em que a gagueira é prevista por outras de significado semelhante, por modos diferentes de expressar o mesmo conteúdo ou até mesmo por mudanças no conteúdo da fala. Incluem também a repetição das palavras do discurso que antecedem a palavra em que a gagueira foi prevista; a inclusão de inspirações, expirações, sons ou palavras desnecessárias antes das palavras em que a gagueira é prevista; o uso de movimentos de outras partes do corpo, tudo isso como meio de se ajudar a produzir as palavras em que a gagueira é prevista."

Este quarto tópico, que esclarece muito bem como a gagueira do desenvolvimento se manifesta, nos traz uma sorte de comportamentos que as pessoas com gagueira executam sempre na tentativa de falar bem, de não gaguejar, mas isso já é uma manifestação da gagueira, para o sujeito já é a gagueira dele. Algumas pessoas conseguem disfarça tão bem que não apresentam qualquer disfluência articulatória em sua fala, mas os truques, as crenças, as substituições de palavras (entre outros ditos acima) estão presentes em seus discursos e só elas sabem disso. Os outros não as vêem como pessoas com gagueira, mas elas apresentam a "lógica paradoxal" e possuem a "imagem de mau falante". Em virtude disso, de acordo com a literatura, muitos procuram a fonoaudiologia pois estes comportamentos são capazes de gerar grandes preocupações nestas pessoas, que ficam presas à movimentação de suas consciências. Isso comprova que a essência da gagueira é realmente a "lógica paradoxal".

Neste quarto tópico outra coisa me chama a atenção. Foi dito que "o sujeito acredita saber de antemão o que irá acontecer com sua articulação e acredita em algo que não quer que aconteça". A fala é espontânea porque, de modo geral, não sabemos como ela se produz. O indivíduo com gagueira não é exceção. Além disso, tem o agravante que é a forma com a fala se produz. Algo que não faz parte da fala é saber de antecipadamente onde ocorrerá alguma quebra de fluência. Nenhum "falante normal" tem essa previsão, mas as pessoas com gagueira prevêem esta quebra. Sabem que não conseguirão falar bem, apesar de assim não desejarem. Porém, em inúmeras situações esse pensamento não se faz presente e a fluência se instala, surpreendendo o falante, que não sabe como isso aconteceu!

No tópico 6, falaremos mais sobre a instalação da fluência.

9 comentários:

Anônimo disse...
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Wladimir Damasceno disse...
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Anônimo disse...

Os gagos só podem ter jogado pedra na cruz. Até as nossas teorias e os nossos cientistas são piores que os outros. Chega a ser deprimente. Estou ouvindo a mesma coisa desde 1970, com pouquíssimas variações. Lembro do tempo em que se preconizava "gaguejar de propósito" como forma de contornar o "bloqueio psíquico" da gagueira. Argh! Vendo em retrospectiva, isso soa quase como piada. Eficácia ZERO!

Desde então, percebo que ficam requentando sempre as mesmas idéias, mudando apenas uma ou outra palavrinha para disfarçar a estagnação da teoria. Isso já tá parecendo disco arranhado. Evoluam, por favor.

Anônimo disse...

Olá , Lilian
Você colocou uma discussão muito importante. Requentar as mesmas idéias, mudar uma ou outra palavrinha..Isso acontece muito, mesmo.Não leva a nada e nem a lugar nenhum!Leva somente ao mesmo círculo vicioso da mesmice que não coloca as soluções, apenas hipóteses. São tantas teorias, não? É uma grande confusão mesmo.
Qual lugar do cérebro não funciona direito? Qual sinapse não foi bem feita? Qual o tipo sanguíneo provavel? Estamos no foco de pesquisas de DNA.Ótimo!, vc não acha? Quanto mais pesquisas forem feitas, mais respostas podemos ter...
Acredito que temos que pensar em renovar e modificar os padrões de pensamento e linguagem que imperam como num círculo vicioso da mesmice que não chega em lugar nenhum.Concordo com você.Por quê não podemos começar por nós mesmos a pensar diferente , questionar com outras palavras e responder com outros argumentos?
Falta acesso à informação pra que as pessoas possam ter condições de questionar com eficiência.
Esse blog está abrindo essa oportunidade. Que seja bem aprovetada!
Um grande abraço.

Anônimo disse...

Mariângela, o que quis dizer foi o seguinte: com todo o avanço obtido pela neurociência na última década, destrinchando diversos aspectos até então desconhecidos do funcionamento do cérebro, por que só o entendimento da gagueira não evoluiu? Que raio de preconceito é esse que impede que se chegue a um consenso a respeito das bases neurobiológicas da gagueira?

Não vejo mais sentido em tentar explicar a gagueira através de idéias tão antiquadas quanto as que eram usadas 30 anos atrás. Os tempos são outros. Se hoje temos uma compreensão muito maior do funcionamento do cérebro fornecida pela neurociência moderna, por que recorrer a Freud e sua vetusta psicanálise? Acho que nem mesmo o pai da psicanálise raciocinaria da mesma forma se tivesse acesso aos incríveis métodos modernos de análise do funcionamento cerebral de que dispomos hoje.

Querer explicar a gagueira atualmente sem tentar ajustar a explicação às novas descobertas da neurociência, e sem sequer buscar referência nos artigos dessa área, é como querer explicar o mundo globalizado através das teorias de Karl Marx. Não dá! O nível de complexidade é outro.

Peço pelo menos um pouco mais de respeito pela nossa inteligência.

Wladimir Damasceno disse...

Lílian, acho que você faz confusão quando fala em Freud e "idéias antiguadas". A linha de estudo de Friedman não é a psicanalítica. Ela estudou a Psicologia Social. Os artigos científicos dela coemçaram a ser publicados a partir da metade da década de 80 e muitos foram já na década de 90.

Outra coisa, estamos todos aguardando as definições dos estudos realizados com neuroimagens cerebrais. Além do mais, ainda não sabemos o que fazer com a informação de que na gagueira "há uma deficiência dos núcleos da base". Você sabe o que bem quer dizer isso e como pode ajudar um indivíduo com gagueira? Até mesmo o Pagoclone, tão esperado, recentemente vi um vídeo sobre ele, no IBF, e lá diz, textualmente, que o pagoclone não cura a gagueira! A pessoa fica fluente até cessar o efeito medicamentoso.

Eu, particularmente, não pretenderia ter de tomar um medicamento, toda vez que precisasse ir a uma padaria compra queijo e presunto. Prefiro mudar a minha identidade com falante. Prefiro mudar as minhas crenças, pensamentos, posturas em relação aos momentos de comunicação. Pois só assim a fluência se faz cada vez mais presente.

Além do mais, com os textos aqui colocados, não estou desrespeitando a inteligência de ninguém. Cada um deve ser inteligente a partir daquilo que acredita. Eu acredito nas-minhas-próprias-competências como falante.

Anônimo disse...

Wladimir, a sua subjetividade e o seu modo de encarar a gagueira não têm como ser útil a todo mundo, porque são particularidades suas. Entenda isso, rapaz. É como querer convencer um ateu a enfrentar um problema através da fé e da oração. Não há nenhuma garantia de eficácia.

Ao se determinar a base física de um distúrbio, saímos do terreno da subjetividade, tornando possível o desenvolvimento de um método válido para todos. Isso é imprescindível para o descobrimento de formas mais eficazes de terapia.

Anônimo disse...

Lilian
Existem muitas pesquisas e textos na linha organicista.
Talvez você possa se identificar e encontrar as respostas que você procura no site do IBF.
Ele é organizado por profissionais de muita competência , experiência prática e em pesquisas na área neurológica.
Existe espaço para todas as idéias.
Cada um concorda e defende aquela que lhe convence, não é?
É importante que tenhamos pessoas questionadoras como você.Assim como, que os espaços seja abertos para discussão, com ética e respeito.

Wladimir Damasceno disse...

Lílian, você está certa quando coloca em debate a subjetividade. Realmente, a linha da Dra. Friedman preconiza muito esta visão ao colocar a gagueira como um "problema de identidade". E veja que isto faz muito sentido, pois a gagueira do desenvolvimento origina-se na infância (não podemos generalizar para outras patologias sem prévios estudos), período no qual estamos aprendendo os valores, crenças e costumes a partir dos nossos atos e dos outros para conosco. Ouvi muitas vezes conselhos inúteis do tipo "pense antes de falar", "respire", "pare", tudo isso era a sociedade afirmando que minha fala não estava dentro dos padrões por ela idealizado. Passei a criar condições para tentar falar daquela maneira. Não consegui! Com isso as pessoas foram rindo, me chamando de gago e aquilo foi me formando como falante.
Lílian, como sabemos, gagueira não é terreno de fácil discussão. Eu tenho muitas curiosidades sobre a descoberta desta base física deste fenômeno. Por exemplo, afirmam que ocorre um bombardeio de dopamina no cérebro do indivíduo com gagueira na hora que ele pretende se comunicar. Não duvido que isto realmente ocorra!! Para mim, esta definição necessita de maiores pesquisas, este bombardeio é o que Friedman chama de "antecipação da gagueira". O sujeito entra em pânico e no cérebro ocorre tudo aquilo. A partir daí, o excesso de dopamina torna-se conseqüência e causa do problema articulatório. Além disso, gostaria de saber se este bombardeio também ocorre nas primeiras falas gaguejadas das crianças, ou se só ocorre quando ela passa a se preocupar e fazer tensão para falar.
Por estes e outros motivos, acredito que teoria desenvolvida por Friedman, seja de muita utilidade para todos nós. Não devendo ser desprezada, nem desrespeitada. Creio que ela soluciona a mesma coisa sem medicamento.
É como você falou, quem tiver condições subjetivas para se reabilitar, bem, quem não, fármaco.
Lílian, só por curiosidade, qual a sua ocupação? Onde você mora?
Abraços!