31 maio 2015

Desarmonia no discurso da pessoa que gagueja - Parte IV


A abordagem subjetivo-discursiva parte do discurso do sujeito, daquilo que ele diz sobre sua gagueira para poder dar a ela um novo sentido, uma nova interpretação, possibilitando ao sujeito que se desloque da posição de "falante gago", para a posição de "falante comum".

Então, vejamos o que diz um "falante gago":

1 - “Quando vou falar, já vem aquela palavra que não vou conseguir...e não consigo mesmo”
2 - “Digo outra palavra. Substituo uma palavra por outra. A contra-gosto, porque queria dizer aquela”
(Frases do "Entrevistado 1", da minha pesquisa do mestrado. O descritivo e o acesso à dissertação pode ser visto aqui. O artigo derivado da dissertação, aqui).

As duas frases acima são muito comuns de serem observadas no discurso de quem gagueja. Na terapia que segue a abordagem subjetivo-discursiva, tais declarações não ficam no ar, pelo contrário, ganham valor e são postas em discussão com a intenção de serem ressignificadas. Então, vejamos algumas considerações que alimentam essa reflexão:

Frase 1: Os falantes comuns, de um modo geral, não têm a crença de que não conseguirão falar determinadas palavras. As hesitações, repetições e travas não são previstas. Em algumas situações, pode ser que o falante acredite que determinada palavra seja difícil de ser dita, não por ter dúvida da sua capacidade articulatória, mas que a palavra não lhe é familiar e, portanto, exige maior atenção de sua parte. Já os falantes gagos antecipam a dificuldade (antecipam a gagueira) e duvidam de sua capacidade articulatória. Logo, diante de frases com esse sentido, dentro do processo terapêutico, algumas possíveis questões a serem abordadas para abrir a possibilidade de deslocamento, são: como é possível ter a certeza da dificuldade em algo que ainda não foi dito? Por que as palavras que não são antecipadas não são gaguejadas? Em qual situação a antecipação surgiu? Como quem estava conversando? A antecipação aparece em toda e qualquer situação?

Frase 2: diz respeito aos "truques" construídos pelo falante na intenção de evitar gaguejar. Ou seja, ao antecipar a gagueira em determinada palavra, trocam-na por outra. Esse comportamento é muito interessante e a maioria dos pacientes não se dá conta de algo muito curioso que ocorre nessas ocasiões: a palavra em que recai a certeza de dificuldade (de gagueira) não é dita, por outro lado, na palavra em que recai a certeza da pronúncia há fluência e ela é dita sem gagueira!! Uma palavra "não pode", mas outra "pode" ser pronunciada.  Isso mostra que há competência articulatória, pois, se não houvesse, a dificuldade estaria em qualquer palavra, ou seja, não seria possível prever que palavra se pode eliminar e que palavra se pode pronunciar. Isso indica que a questão central da gagueira não é ela em si, isto é, a articulação gaguejante, mas sim a sua antecipação.

Dar um novo sentido à antecipação é um importante aspecto do processo terapêutico que visa deslocar o falante gago para a posição de falante comum.

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