03 agosto 2005

Aceitação

A aceitação do indivíduo como gago é o primeiro passo para ter a consciência de que precisa fazer algo para melhorar. É relativo o número de gagos(as) que não se caracterizam desta forma. Tomando-me como exemplo, antes de fazer parte do Grupo Gagueira, como eu costumo afirmar, eu era tudo, menos gago! Eu era "disfluente", "tinha dificuldade em falar", qualquer outra coisa, mas gago não! Percebo que outros colegas recém chegados aos grupos que faço parte também apresentam este comportamento. No momento que encontrei o grupo Gagueira comecei a me dessensibilizar neste aspecto. O próprio nome da lista já ajuda. Acessá-la todos os dias, ver pessoas debatendo o assunto, ler as palavras gago, gagueira diariamente, ajudam na quebra da não aceitação.

Gustavo Boog, neste endereço, fala muito bem sobre aceitação. Ele afirma que
"aceitar é confundido com passividade, com paralisia, com falta de interesse ou com falta de ação; o conceito na realidade é exatamente o inverso, pois quando eu aceito as coisas como elas são, eu resgato minha força e poder de transformar. Aceitar significa ficar aberto às mudanças, a rever referenciais e formas de perceber e agir. Quando isto ocorre saímos do papel de vítimas das circunstâncias, para podermos realizar com disposição as mudanças que precisam ocorrer. Quando não aceito integralmente, com a mente e o coração, estou tentando, muitas vezes em desespero, restaurar o padrão ou situação anteriores, que talvez eram cômodos e confortáveis. O encarar e aceitar a dificuldade que estamos vivenciando é o primeiro e decisivo passo para tomar as decisões certas para as mudanças. Num tempo como o nosso, de rápidas e profundas mudanças, deixar de aceitar a realidade é abdicar do direito de fazer escolhas conscientes. Aceitar uma realidade é como ingressar num rito de passagem: deixar o velho e ingressar no novo. A aceitação é um aviso que nos diz que agora é preciso mostrar fibra e coragem. É um presente que nos convida a agir. Cynthia Kemp Scherer tem afirmado tantas vezes “everything is perfect” (tudo está perfeito). Eu levei muito tempo para entender que a perfeição não significa “obra acabada”, significa que a pessoa está passando pela experiência que tem que passar e que o Universo a presenteia com a oportunidade de decidir o que tem que ser decidido e agir, realizando as ações que necessitam ser tomadas. Tudo está perfeito significa você aceitar totalmente a experiência que está passando e agir em cima disto, mobilizando as ações que precisam ser tomadas."

Na gagueira, aceitar-se não significa sair falando para todo mundo o que você é ou deixa de ser. A aceitação é compreender que os interlocutores de conversas podem não estar informados sobre gagueira, com isso podem reagir de formas diversas. Porém, elas não podem ter reações que impliquem em falta de respeito, ridicularização, gozação ou discriminação (vide a segunda postagem, sobre Direitos e Responsabilidades das Pessoas que Gaguejam). Se a ridicularização ocorrer, cabe ao ridicularizado exigir o respeito necessário e impor-se. O indivíduo gago que não se aceita como tal, diante de uma situação de desrespeito encontra como saída a depressão, o choro, a tristeza, ou qualquer outra emoção negativa. Portanto, não podemos baixar nossas cabeças para as reações das pessoas. Bem como também, se observarmos, na maioria das vezes, as pessoas ficam simplesmente surpresas diante de um falante "diferente", não sabem como se comportar e, assim, tentam "ajudar". Está dessensibilizado é importante para não termos recaídas, principalmente recaídas emocionais.

Após ler a passagem do texto de Boog, onde ele afirma que a aceitação "é um presente que nos convida a agir", recordo-me de um momento do meu tratamento: após mais ou menos seis meses de terapia, a minha fonoaudióloga percebendo meu nível de fluência e percepção diante da gagueira, solicitou-me a trocar algumas experiências com outros pacientes ainda sensíveis e cheios de crenças. Na preparação do que eu poderia transmitir no encontro, veio-me um pensamento, que infelizmente acabei me esquecendo de proferí-lo, mas que agora tenho a oportunidade de fazê-lo para mais "ouvintes-leitores". É o seguinte: "a gagueira é uma dádiva divina. Só descobre isso quem é capaz de superá-la. Quando começamos a falar bem, olhando para trás percebemos quantos obstáculos foram transpostos e o quanto é prazeroso poder falar bem."

Sejamos como o pote rachado depois que descobriu ser o responsável pelo caminho de flores do caminho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimas reflexões...realmente quando se diz que um dos primeiros passos do sujeito com gagueira vencer seu problema é aceitando-o é que, parece até óbvio, não há como vencer um problema sem encará-lo de frente. Vale salientar que quando se diz aceitar a gagueira não significa se aceitar como gago, mas se vê como tal, para permitir análises, para permitir mudanças, para permitir possibilidades. Quem experimentou, sabe disso...