23 dezembro 2005

Observando um Gago - Parte I

Solicitei o texto abaixo ao amigo Hélio Beraldo (o conheci no Grupo de Apoio da ABRA Gagueira, em São Paulo). Ele é psicólogo, pessoa formidável, tem um tom de voz muito tranqüilo, tem mais de 40 anos (rsrs) e, infelizmente, só não posso dizer mais porque o contato foi breve, mas, no pouco tempo, pude perceber o quão gente fina ele é! Meus agradecimentos pelo texto, amigo. Abraços.

O texto, por ser extenso, será dividido em quatro partes. A ilustração é minha.

OBSERVANDO UM GAGO
(parte I de IV- Hélio Beraldo)

Que sujeito é este que precisa fazer tanto esforço para falar? Contorce-se; tenciona os músculos da face, do corpo; faz caretas; fecha os olhos e sofre tanto numa simples tentativa de falar aquilo que pensa. Não consegue, tenta outra vez, repete a palavra, estica os sons, fala mais baixo, tem o som bloqueado, tenciona os lábios e, parece que quanto mais força faz, menos consegue falar.

Olhando para ele, dá a impressão de que nem mesmo está mais pensando no que falar, mas que todos os seus esforços estão em conseguir falar. Se continuarmos observando, podemos perceber que ele até quer parar de falar, desistir, encerrar o assunto, mas não tem nem mesmo como dizer que quer encerrar, pois está totalmente bloqueado. Assim, ele continua em seu desespero, em seu sofrimento. Ao mesmo tempo, aquele que o ouve já nem sabe mais se presta atenção ao seu sofrimento ou ao que ele tem para dizer. Como ele não consegue expressar o seu pensamento, ele sofre muito. Quando consegue dizer alguma coisa, ou seja, quando ele encerra sua fala, tem uma enorme sensação de alívio, porém, ao mesmo tempo, sente muita frustração, muita angústia e muita tristeza, pois ele tinha uma mensagem que era importante pra ele, que lhe parecia inteligente, ou que até poderia ser benéfica para o outro, mas ele nada conseguiu expressar.

Talvez a sua sensação seja de incapacidade e de incompetência. Seus pensamentos talvez sejam de inutilidade, porque até mesmo as crianças e os mais incultos conseguem expressar de maneira verbal aquilo que pensam, enquanto ele precisa de tanto esforço, tanto sofrimento e tanta angústia. Ele quer falar mas não pode, parece ter algo que não pode ser revelado, algo que proíbe a sua expressão, algo que está no mais profundo de seu íntimo, algo que ele nem mesmo tem conhecimento. Por que tem de ser assim? Por que ele tem de ser tão humilhado? Por que ele tem de ser tão limitado?

Ele sabe que não possui nenhum problema no seu aparelho fono-articulatório pois, quando ele canta, o faz com naturalidade; se lê em uníssono, o faz com tranqüilidade; se fala com os animais de estimação, o faz sem qualquer dificuldade; se fala com uma criança recém-nascida, não há problema algum. Por quê? - Porque não há censura, porque não será avaliado, não será contrariado, não será rejeitado.

O que é que proíbe esta pessoa de se expressar da mesma maneira com outras pessoas? Por que tanta dificuldade, tanto medo inconsciente de ser avaliado, de ser censurado, de não ser aceito em suas idéias? Qual a mensagem que ele traz oculta em sua mente?
Continua...

Um comentário:

Anônimo disse...

1000ª visitante!!

Mto bom o texto, quero ver logo as outras partes.

Bjs

Aline