11 janeiro 2008

Quando a Solução Vira Problema

Os indivíduos com gagueira possuem inúmeras soluções para parar de gaguejar. O que se observa é que estas tornam-se problemas ainda maiores. Inspirações, expirações, prolongamentos de sons e palavras de apoio (Friedman e Passos, 2007*) são alguns artifícios desenvolvidos para contornar, mesmo que momentaneamente, a gagueira. Estas estratégias foram criadas tendo em vista ser considerado "proibido" gaguejar. Acalmar-se, respirar e pensar antes de falar, risos e imitações foram algumas das proibições que os indivíduos com gagueira, quando ainda crianças, ouviram ao ser disfluentes. O outro, para Azevedo e Freire (In Friedman e Passos), é o falante ideal e que ao invés de doar sentido ao que está sendo falado, fiscaliza o dizer. A vivência sistemática dessas relações com alto valor afetivo tende a gerar na pessoa uma imagem estigmatizada de falante (alguém que deseja falar bem, mas não acredita em sua competência para isso).

A proibição para ser disfluente é o motor para que a criança busque soluções na tentativa de ter sua fala aceita e deixar de ser rejeitada, porém a solução encontrada gera cada vez mais gagueira, pois a fala perde espontaneidade, passa a ser controlada. Sai do eixo do sentido, para o da forma (Friedman e Passos).

Proibição para gaguejar

Solução

Mais gagueira

Esta ilustração pode ser comprovada a todo instante. Principalmente quando o indivíduo deseja incondicionalmente a fluência. Porém, em inúmeras outras situações de fala a fluência se faz presente, para a surpresa do falante que não entende como isso foi possível. Vejam um relato, retirado do Grupo Gagueira, de um indivíduo (com privacidade mantida) que atualmente está sofrendo muito com sua gagueira, e que serve de comprovação para a teoria aqui debatida:

"Também ao telefone, fui cancelar um chip da operadora X, e como eu gaguejei, o cara se recusou a cancelar a linha, dizendo que eu não era o titular e que era uma pessoa se passando pelo titular. Não sei da onde saiu tanta fluência, mas na hora eu fiquei p. de raiva e consegui falar: 'Olha Fulano, eu também estou gravando esta ligação e estou anotando que horas são. Eu vou entrar com um pedido na justiça para o senhor pagar a minha mensalidade desse celular, porque você é o único que está me impedindo de cancelar. Eu não quero mais, não vou pagar, então como fica? Você paga? Se você se recusar a cancelar agora, vou entrar com o pedido para a cobrança passar para o seu nome.' "

Perceberam o que ele disse? "Não sei da onde saiu tanta fluência".

Mesmo após já ter gaguejado, em determinado momento a fluência marcou presença. Muito provavelmente, este sujeito, na hora em que foi fluente, esqueceu-se de todas as soluções, por ele já tentadas, para falar bem. Deixou de se preocupar com a forma, para se ater ao sentido do que iria falar. Esqueceu-se de procurar palavras difíceis para substituí-las. Quando isso ocorre, o sujeito não tem dúvidas em relação à sua capacidade para falar; não deseja conscientemente a fluência como algo que deve ser alcançado. Não desejando-a, ela aparece. É o que ocorre com os outros falantes.

Sem ter medo de errar, afirmo que isso ocorre em muitas outras situações e com todas as pessoas com gagueira, o que demonstra claramente que há integridade fonoarticulatória.

Conforme venho falando nas postagens mais recentes, a mudança é possível! Superar a gagueira como um sofrimento para falar, é possível! Continuarei este assunto na próxima postagem.



*FRIEDMAN, S. ; PASSOS, M. C. . O Grupo Terapêutico em Fonoaudiologia: Uma Experiência com Pessoas Adultas.In:Santana, AP; Berberian, AP; Guarinello, AC; Massi, G.(Org.). Abordagens Grupais em Fonoaudiologia. 1 ed. São Paulo: Plexus Editora,2007, v. 1, p.138-163.

14 comentários:

Anônimo disse...

Não existe pessoa no mundo que não pense antes de falar, Wladimir. Ou você acha que as idéias já saem prontas da cabeça de quem é fluente? O problema não está aí. O problema na gagueira está na impossibilidade de fazer o que todo mundo faz na grande maioria das vezes (pensar antes de falar) sem que isso gere uma dificuldade no movimento articulatório. E sabe por quê, Wladimir?

Porque os mecanismos conscientes (corticais) e inconscientes (subcorticais) da fala não têm uma integração perfeita no cérebro de quem gagueja.

Isso acabou de ser comprovado (a descoberta não tem nem 3 meses) por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Oxford através do mais avançado e moderno método de neuroimageamento estrutural existente atualmente: a ressonância magnética por vetor de difusão. Caso esteja interessado nos detalhes da descoberta, é só visitar a página indexada pelo link acima.

Mas não precisa ficar pessimista só porque agora a gagueira já tem explicação neurobiológica. O autoconhecimento que a ciência tem propiciado às pessoas que gaguejam levará a formas bem mais eficazes de intervenção. Entre as que consigo imaginar agora (e certamente haverá de aparecer muitas outras), sugiro duas, uma atual e outra futura:

Atual - exercícios que favoreçam a plasticidade neuronial.

Futura - terapia com células-tronco para reestabelecer a integridade da matéria branca que conecta as áreas corticais e subcorticais da fala.

Abs

Wladimir Damasceno disse...

Rafael, grato pela sua participação. Muito interessante o conhecimento que você nos trouxe sobre mais uma pesquisa que tem o cérebro como foco de estudo.
Nós realmente sabemos que todos pensam antes de falar, só que com as pessoas que gaguejam esse pensar é difente. Se você for uma dessas pessoas, você sabe bem disso. Temos as mais diversas preocupações (pensamentos) para falar: com quem (se é alguém "importante"), qual a situação (ao telefone, para uma ou para algumas pessoas), se tem alguma letra "difícil" de ser pronunciada, se o enunciado é comprido, etc.).
Como tá escrito na postagem: a atenção está na forma não no conteúdo. As pessoas consideradas fluentes, a não ser em raras exceções, focam as "preocupações" no conteúdo. As que gaguejam, quando focam no conteúdo, são fluentes também.
Agora, porque é temos a atenção na forma e não no conteúdo? Por que, ao longo de anos, tivemos nossas falas negadas pelos outros. Os outros pediram para que "pensássemos", respirássemos antes de falar. Os outros riram e não nos acolheram em nossas disfluências, que no início não nos trazia sofrimento. Com o passar do tempo percebemos que não falávamos do modo aceito. Inconscientemente, talvez, fomos desenvolvendo estratégias para tentar falar daquele modo desejado e idealizado. Estratégias essas que não alcançavam o único objetivo de falar bem. Não tinham êxito, pois para falar bem a fala tem que está livre, tem que ser espontânea, natural. Com isso, a nossa auto-imagem ficou prejudicada. Toda situação de comunicação apresentasse com um grande potencial de ansiedade, nervosismo, etc.
Se você for gago, creio que você deva concordar comigo em tudo isso que falei acima. Foi assim com todos nós.
Com relação a não haver uma integração perfeita entre os mecanismos corticais e subcorticais, devemos saber que tudo que está no córtex é porque não foi ainda automatizado. À medida que a atividade torna-se conhecida do praticante, o lugar que ela ocupa no cérebro muda de posição. Ela se rebaixa para dar lugar a novos aprendizados.
Portanto, parece que falamos a mesma língua. Na pessoa com gagueira, a fala não é algo automatizado, algo natural, como deveria ser. Como é com os "fluentes". Portanto, o que foi visto nas neuroimagens em questão, não é nenhum defeito. É o que ocorre com todo mundo que desenvolve qualquer atividade ainda não automatizada.
Amigo, agradeço mais um vez pelo contato, pela interação.
Gostaria de saber se você leu esse meu comentário.

Mariângela disse...

Olá, Wladimir
Muito interessante as colocações anteriores. Como estudiosos do assunto, precisamos estar abertos a todas as possibilidades e pesquisas para ampliar nosso campo de pensamento e atuação.
Acho oportuno dizer que seus textos estão sendo muito úteis para discussão com meus clientes em terapia. Você coloca seus estudos e pesquisas,na ótica da D.H. e outros questionamentos, além de sua vivência, de uma forma clara e faz com que aconteça uma identificação instantânea. E o melhor é dizer que é muito gratificante para mim, que sou fonoaudióloga especializada em gagueira na visão dialético-histórica, compartilhar dos tantos resultados positivos que temos em nosso trabalho. E para finalizar quero só colocar um texto do livro que vc mesmoo me indicou e que acrescenta na discussão do amigo Rafael, e até complementar que em nossa visão, estudamos a dinâmica da mente comandando nossas ações e reações sobre as funções aprendidas e automatizadas:
"Grande parte de quem somos é o resultado da interação dos nossos genes e das nossas experiências. Em alguns casos, os genes são mais importantes, ao passo que em outros o meio é mais crucial;
- O nosso próprio livre-arbítrio pode ser a mais poderosa força a dirigir o desenvolvimento de nossos cérebros e, portanto, nossas vidas. O cérebro do adulto é plástico e resiliente, e está sempre ávido por aprender. Experiências, pensamentos, ações e emoções mudam-lhe a estrutura;"
do livro: CÉREBRO: UM GUIA PARA O USUÁRIO - Dr. John Ratey.
Um abraço

Anônimo disse...

Você está ignorando um dado fundamental, Wladimir: a alteração detectada não foi apenas de natureza funcional, foi de natureza estrutural também (redução da integridade dos feixes de matéria branca que ligam as áreas corticais e subcorticais da fala). Você não leu o resumo da pesquisa?

Wladimir, acho também que você se confundiu um pouco na explicação sobre forma x conteúdo. Com base na minha experiência, percebo que gaguejo mais quando me atenho exclusivamente ao conteúdo, e não à forma. Por exemplo, se eu focar bastante a minha atenção na forma de falar (por exemplo, quando tento imitar o sotaque de outra pessoa), a gagueira se torna muito mais contornável. Ou seja, exatamente o contrário daquilo que você disse. Portanto, a gagueira não parece ser resultado de preocupações com a forma de falar, já que ela pode ser inclusive amenizada por essa mesma preocupação.

Só para ilustrar melhor meu ponto de vista, vou lhe dar um exemplo prático: Gil Gomes, aquele famoso repórter policial (que era gago, embora muitos nem desconfiassem da verdadeira razão daquele seu jeito estranho de falar), conseguia ser fluente exatamente quando se preocupava em manter uma forma de falar distinta de seu jeito de falar natural. Ou seja, a fluência dele nascia a partir de uma preocupação consciente com o modo de falar, e não o contrário. Com o Paulo Francis, outro jornalista gago famoso, acontecia a mesma coisa.

Então, caro Wladimir, dizer que a gagueira nasce de uma preocupação com o modo falar não parece ser um argumento muito coerente para explicar a causa do distúrbio. Gil Gomes e Paulo Francis que o digam.

Se você tivesse maior interesse em neurociências para querer entender o modo como o cérebro usa arcos pré-motores diferentes para processar a fala espontânea e a não-espontânea, eu perderia meu tempo tentando lhe explicar o porquê de certas características intrigantes da gagueira (como a possibilidade de falar fluentemente em situações inusuais de fala). Mas para quem não é iniciado, a explicação ficaria muito hermética e enfadonha. E já vi que neurociência não é muito a sua praia.

Um abraço.

Wladimir Damasceno disse...

Caro Rafael, acho intrigante como algumas de suas palavras parecem ter a intenção de me ferir. Posso estar enganado, pois escrevendo não sabemos o tom como foram ditas.
Não ache que está perdendo seu tempo ao tentar me explicar algo que domina. Acho perfeitamente salutar essa troca de experiências. Você vem com o seu conteúdo, eu com o meu e assim, podemos formular algo maior. É para isso que servem os nossos estudos. Não é porque acredito ou deixo de acreditar em algo que não vamos conversar sobre o assunto.
Não concordo com você quando afirma que não me interesso por neurociência. Estou lendo o livro "Cérebro - um guia para o usuário" e estou cada vez mais convicto das minhas posições. Veja o que disse o autor:
"O cérebro não é um computador que simplesmente executa programas geneticamente predeterminados. Nem uma passiva e pardacenta couve deteriorada pela ação de influências ambientais. Os genes e o meio ambiente interagem para mudar continuamente o cérebro. E nós, os donos - na medida em que os nossos genes o permitem - podemos configurar o modo como os nossos cérebros se desenvolvem ao longo de nossas vidas". Falou mais: "Grande parte de quem somos é o resultado da interação dos nossos genes e das nossas experiências. Em alguns casos, os genes são mais importantes, ao passo que em outros o meio é mais crucial". Disse mais: "Novas descobertas indicativas de que a aquisição pela criança de linguagem, pensamento e capacidade emocional constitui um processo que pode estar concluído, em sua maior parte, antes dos três anos de idade. (...) Se as crianças pequenas estão, de fato, selecionando e processando estímulos ambientais, compete-nos, mais do que nunca, fazer com que esses estímulos sejam tão bons que elas possam avançar rapidamente através deles e passar a outras aprendizagens".

Rafael, o desenvolvimento da linguagem está muito relacionado aos estímulos ambientais. Estudos realizados com crianças no império romano, as quais foram retiradas dos seus pais e as cuidadoras não poderiam conversar com elas, detectaram que a linguagem não era desenvolvida.

O que vc afirmou sobre imitar alguém, um sotaque, difere um pouco sobre o que falei como sendo "Forma". A forma que me refiro é a forma do conteúdo, do discurso, do que será dito. Temos a constante antencipação do que teremos de dizer. Quando nossa mãe nos pede queijo e presunto da padaria, no percusso até lá vamos planejando como pediremos. Alguns até pedem só queijo, pois não acreditam ser capazes de falar presunto. Já que o encontro PR é "difícil" de falar.

Falar imitando o outro é uma tentativa de sair de si, da imagem que temos de alguém que quer falar bem mas não acredita nesta competência. Por isso que falar com a voz do Pato Donald nos dá uma fluência.

Essa explicação não é a que vc mais gosta, embasada em neuroimagens, mas é a explicação embasada numa visão da psicologia social. Um campo que acho mais intrigante de estudar.

Abraços,
Wladimir

Anônimo disse...

Rafael, talvez o Wladimir não tenha tido a sensibilidade necessária para perceber a importância da informação que você trouxe. Sou fisioterapeuta e lembro que, no meu tempo de faculdade, uma das professoras da cadeira de neuroanatomia, por sinal a melhor que tive em todo o curso, recomendava a leitura exatamente desta revista em que foi publicada a pesquisa que você compartilhou conosco. Ela dizia que a Brain era uma revista de nível qualis A, no sentido de que só pesquisas de excelente embasamento científico conseguiam ser publicadas lá. Fiquei surpresa ao ver a gagueira sendo abordada por uma publicação tão importante, e mais surpresa ainda com a novidade que a pesquisa trouxe. Sem dúvida, é um avanço e tanto na compreensão da gagueira. O que esses pesquisadores descobriram é tão surpreendente que realmente pode, como você bem mencionou, colocar a gagueira no rol dos distúrbios a serem beneficiados com a terapia de células-tronco. Que coisa incrível! Isso é uma mudança bastante considerável para uma desordem que até pouco tempo atrás tinha sua causa frequentemente atribuída à fraqueza psicológica e emocional de seus portadores. Aleluia que existam cientistas dispostos a enxergar além dos equívocos e preconceitos que cercam o assunto. Aleluia!

Wladimir Damasceno disse...

Lorena, que prazer a sua visita e o seu comentário. Agradeço por ambos. Volte sempre e enriqueça o espaço.

Sabe o que é que ocorre, é que a teoria que procura uma causa no organismo para a gagueira deixa muitas brechas, muitas perguntas sem respostas, principalmente se você se referir a situações, ambiente, pessoas, etc.

As pessoas com gagueira, muitas vezes possuem determinadas situações em que falam fluente e em outras não. Com certas pessoas as palavras saem, com outras não. Além disse, acreditam que não conseguem falar determinados sons no início da frase, por exemplo, mas que os falam no meio da sentença. Entre outras crenças que as pessoas com gagueira possuem e que, muitas vezes, é determinante na fluência de suas falas. Quando o sujeito não sente-se julgado, quando sua auto-imagem não está em jogo, como com crianças, com animais, com plantas, sozinhas (entre outras, cada sujeito possui as suas) a fluência se faz presente. Se fosse um problema "simplesmente" orgânico, não haveria momentos fluentes. Ou haveria?

Não trata-se, realmente de fraqueza de qualquer espécie. É que se você for investigar na história pessoal dos sujeitos com gagueira, perceberá que a fala disfluente foi negada pelos ouvintes, quando estes estavam em desenvolvimento. A fala disfluente, mas sem sofrimento (logo não era gagueira) tornou-se o foco da atenção dessas crianças que começaram a interferir na espontaneidade peculiar a fala, na tentativa de ter a sua fala aceita pelos outros significativos. Só que quando algo é espontâneo e há interferência deliberada, o resultado não é o esperado. Nas postagens mais próximas a essas eu falo um pouco sobre isso.

Eu acredito e acho muito importante todas as pesquisas que estão sendo feitas em relação à gagueira. Precisamos de mais. Porém, todos podem questioná-las e fazer correlações com outras áreas. É isso que procuro fazer. Afirmar que há uma deficiência entre as áreas corticais e subcorticais me parece óbvio. Tudo que está no córtex não está automatizado, não é espontâneo. A fala com gagueira não é espontânea. Ela está a todo momento sendo "vigida" pelo falante, pois foi assim que ele nasceu, foi assim que ele se desenvolveu, já que sua fala não era aceita e ele sempre buscou essa aceitação.

Eu acredito que todas essas informações que estão sendo descobertas no cérebro, é o produto de como o cérebro se adaptou às experiências e pensamentos dos sujeitos com gagueira. Quando houver uma pesquisa informando que isso tudo ocorre com crianças, garanto que mudarei a minha opinião.

Se isso ocorrer, bem, se não, bem também.

Abraços e obrigado pela discussão.

Anônimo disse...

Wladimir, se fóssemos atrás de seus argumentos, nem a epilepsia comportaria uma causa orgânica, porque, pelo que sei, a grande maioria dos epilépticos não fica tendo convulsões o tempo todo, e nem por isso as causas da epilepsia deixam de ser físicas. Porém, para você, "se epilepsia fosse físico, teria que ser constante", correto?

Esse tipo de concepção das desordens neurobiológicas era muito comum antes de a neurociência moderna começar a desvendar a complexidade do funcionamento do cérebro. Atualmente, sabe-se que a inconstância e a imprevisibilidade de uma grande variedade de distúrbios que afetam o funcionamento do cérebro estão longe de ser argumentos aceitáveis para a proscrição de uma causa física para eles.

Veja que, assim como acontece com a gagueira ou a epilepsia, essa inconstância também está presente em vários outros distúrbios de natureza neurobiológica, como: síndrome de Tourette, transtorno obsessivo-compulsivo, disfonia espasmódica, várias formas de distonia, e por aí vai... Essa característica, longe de ser um motivo para que se descarte uma causa física pra o problema, é muito mais uma evidência do tipo de alteração presente (uma alteração que não chega a impedir, mas que eleva o gasto energético e reduz a eficiência da função).

Poderia aqui ficar enumerando um sem-fim de distúrbios que compartilham essa mesma característica com a gagueira (a de seguir um ritmo inconstante e imprevisível). Em fisioterapia, são distúrbios que chamamos de desordens de natureza estocástica, porque sabemos que elas de fato existem, possuem uma causa física subjacente, mas sua manifestação não tem como ser prevista com exatidão, apenas por aproximação probabilística.

Anônimo disse...
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Wladimir Damasceno disse...

Lorena,

A comparação com outras patologias é muito delicada. Cada uma tem os seus sintomas e peculiaridades. A epilepsia, realmente não é constante. A gagueira também não. Porém, existe um grande lapso entre ambas. A gagueira está interligada ao pensamento, a epilepsia não.

Coloque um sujeito gago em uma sala, diga que ele está sendo filmado e peça para que ele fale algo. Sua atenção será voltada para a fala, para experiências negativas que já teve, sentirar-se julgado e gaguejará. No cérebro, como o medo (emoção) está presente, ocorrerá liberação de dopamina (liberada em reação a recompensas agradáveis ou a punições dolorosas), o automatismo será quebrado, o córtex ficará mais ativo, etc...

Em outra ocasião, informe que esse sujeito está sozinho e peça para ele falar. Falará perfeitamente, como os melhores oradores.

Digo isso, pois as pesquisas de neuro-imagens cerebrais captam alguns instantes de um funcionamento inadequado, pois deve ser solicitado que o sujeito converse, só que esse é o principal ponto fraco dessa pessoa. Solicitar que ele fale, gerará um sentimento de cobrança, de avaliação (interna e externa), que danificará mais ainda um sistema já fragilizado em virtude do histórico social daquele indivíduo. A partir disso, afirmam categoricamente que a causa da gagueira é em virtude de um mau funcionamento cerebral. Eu sou um pouco mais crítico nesse aspecto.

Vamos investigar a subjetividade, os pensamentos, as experiências, as emoções dos sujeitos com gagueira. Tudo isso, como sabemos, interfere no funcionamento do cérebro.

Pesquisas foram feitas, aqui no Brasil, pela Fonoaudióloga, Doutora em Psicologia Social, Silvia Friedman, para descobrir o que há na subjetividade do sujeito com gagueira. Tenho a convicção (especulações minhas) de que tudo que foi descoberto por esta pesquisadora, está sendo agora visto como funciona no cérebro. Tanto é que os resultados terapêuticos dela e de muitas outras que seguem tal linha é muito positivo. Quem sabe com tal terapia os neurônios não assumem novas funções? Quem sabe o sujeito começa a ver o mundo de outra forma e o cérebro, com peculiar plasticidade, se modifica? Quem sabe a fala passa a ser mais automatizada e o córtex fica mais inativo na fala?

Dentro de alguns dias colocarei uma postagem baseando-me em um livro que estou lendo (O Cérebro- um guia para o usuário). Nele há muita relação entre o funcionamento do cérebro e o pensamento, emoção, experiências anteriores e futuras.

Lorena, agradeço mais uma vez pelo excelente nível de discussão.

Creio que temos pontos de vista bem distantes. Estou lendo sobre o cérebro para poder discutir com mais propriedade. Aconselharia-a também a buscar outras bibliografias.

Abraços.

Anônimo disse...

Wladimir, o resumo do artigo que o Rafael indicou no último comentário dele é muitíssimo interessante. Ele mostra que o cérebro de crianças que gaguejam já possuem alterações estruturais que podem ser prematuramente detectadas, facilitando assim o diagnóstico e o tratamento do distúrbio.

Com isso, a pesquisa conseguiu derrubar definitivamente uma série de crenças equivocadas sobre as causas da gagueira, como essa que você frequentemente menciona, a da "imagem de mau falante". Agora está definitivamente provado que a "imagem de mau falante" não é causa, mas consequência da gagueira.

Depois da descoberta de que alterações estruturais podem ser identificadas desde a infância no cérebro de pessoas que gaguejam, não se pode mais negligenciar o fato de que a gagueira tem SIM uma base neuroanatômica. E isso já não é apenas especulação. É fato, Wladimir.

Leitura recomendadíssima. Obrigada pela dica, Rafael.

Wladimir Damasceno disse...

Lorena,

Será que nessas pesquisas está sendo levado em consideração a diferença entre gaguejar e disfluir?

Muitas crianças passam por uma fase de disfluência fisiológica, porém não se tornam gagas. Para ser gagueira tem que ter sofrimento. Essa é a grande diferença qualitativa entre o simples disfluir e o gaguejar.

As disfluências podem evoluir para um quadro de gagueira quando os outros significativos (familiares, colegas...) passam a satirizar, imitar, ou seja, não aceitar, não acolher a forma disfluente de falar. Com isso as crianças percebem que suas falas não são aceitas e interferem no automatismo da fala, na intenção de serem aceitas, de falar do modo idealizado. Só que quanto maior interferência, menos consegue-se o objetivo, já que falar envolve espontaneidade, automatismo.

Essas inúmeras tentativas fracassadas, a constância negação do meio, geram cada vez mais sofrimento.

O que aconteceria se fóssemos disfluentes e os outros nem "percebessem" isso? Falaríamos sem problemas, pois seríamos aceitos assim mesmo.

Será que essas pesquisam levam esse ponto em consideração? Será que o mau funcionamento do cérebro não é algo normal (fase do disfluir), parte do desenvolvimento das habilidades cognitivas?

Acredito que possa haver um gene para o disfluir, já que falar é uma habilidade motora, mas para gaguejar não acredito, pois necessita da interação, da negação, da não aceitação do outro, para que passemos a não nos aceitar também. O que seria da gagueira sem o sofrimento?

Rafael, por que você não cria um blog e fala sobre essas pesquisas? Creio que seria muito interessante. Daria para muitas discussões.

Abraços.

Anônimo disse...

E quem quiser falar tipo Wilian Bonner, Cid Moreira, Celso Freitas e Paulo Roberto Amorim, isso é possível? Falar tão fluentemente sem tropeçar em uma palavra sequer, como é isso? E ter uma voz tão bonita, é possível adquirir isto com um tempo, ou isso é natural?

Anônimo disse...
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