Que sociedade queremos?
De acordo com o site IFONO - Fonoaudiologia em Ação, semana passada, a Folha de São Paulo publicou reportagem sobre o "I Seminário Internacional A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos". Este seminário marca claramente um movimento contrário às explicações organicistas centradas em distúrbios e transtornos no campo da Educação para explicar dificuldades de crianças na escolarização.
Em outros tempos, 1950-1960, buscava-se em eletroencefalograma o diagnóstico para distúrbios ou problemas neurológicos. Atualmente, com uma nova roupagem, são utilizados ressonâncias magnéticas, sofisticações genéticas, mapeamentos cerebrais e reações químicas sofisticadas tecnologicamente. Reconhecendo a importância de tais recursos na compreensão de determinados processos humanos, a organização do seminário afirma que "quando aplicados ao campo da Educação retomam a lógica já denunciada e analisada durante décadas de que o fenômeno educativo e o processo de escolarização não podem ser avaliados como algo individual , do aprendiz, mas que relações de aprendizagem constituem-se em dimensões do campo histórico, social e político que transcendem, e muito, o universo da Biologia e da Neurologia."
Repercutindo o evento, o site IFONO afirma que o neurologista Steven Strauss "fez duras críticas à medicalização da educação, afirmando que são tantas as variáveis do processo de alfabetização de uma criança que seria perigoso resumi-las em uma só. Além disso, “não há nenhuma prova fisiológica, neurológica ou física que associe direta ou indiretamente TDAH a crianças com dificuldades de ler e escrever, outras questões devem ser consideradas nestes casos”."
Em consequência à visão estritamente orgânica, crianças e adolescentes recebem diagnósticos neurológicos e tornam-se aptos a serem medicalizados. A ANVISA contabiliza um aumento entre 2003-2004 de 51% nas vendas de medicamentos para diagnóstico de TDAH. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos identificou que a venda de medicamentos com metilfenitado (a base da Ritalina e do Conserta) subiu de 71 mil caixas em 2000 para 1,147 milhão(!!!) em 2008.
De acordo com a organização do evento, "ter dificuldade de leitura e escrita não mais questiona a escola, o método, as condições de aprendizagem e de escolarização. Mas sim, busca na criança , em áreas de seu cérebro, em seu comportamento manifesto as causas das dificuldades de leitura, escrita, cálculo e acompanhamento dos conteúdos escolares.
Para saber mais sobre essa movimentação contrária à medicalização da educação e da sociedade, acesse o saite do IFONO e siga os links disponibilizados por lá. Sugiro que aproveite e assine o manifesto de lançamento do fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade.
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Trouxe esse assunto para o blog, pois acredito que sirva para adiantar a discussão sobre a medicalização da gagueira (já em estudo).
Daqui a alguns anos vamos presenciar o lançamento de algum medicamento para fazer com que pessoas que gaguejam falem fluentemente. Seguindo a mesma linha de raciocínio estritamente biológico dos aspectos educacionais, muitas pesquisas sobre gagueira indicam uma base genética (em 10% dos casos, em estudo realizado no Paquistão) ou uma causa a partir de algum defeito cerebral. A não aceitação deste indivíduo e de suas peculiaridades é repetida, agora(?), sob a chancela da cientificidade.
Assim como existem outros aspectos a serem questionados no âmbito educacional, em relação à gagueira não é diferente. Pesquisas e práticas clínicas demonstram haver muita subjetividade em torno do assunto. Citarei somente duas: não aceitação da fala gaguejada por parte da sociedade e imagem estigmatizada de falante. Assuntos inesgotados, mas já abordados em postagens anteriores.
O indivíduo, a linguagem, a intersubjetividade e o social ficam esquecidos quando considera-se a gagueira estritamente do ponto de vista orgânico, de forma descontextualizada. Estes pontos parecem ser esquecidos ou negados. O olhar foca-se unicamente para aquilo que pode ser detectado e medido a partir de um exame. Relegando o que não é visível ou audível a um nível de menor valor. Porém, o ser humano que gagueja não é apenas neurobiológico. Existem outros aspectos que precisam ser considerados.
Afinal, que sociedade queremos? Os diferentes devem ser medicalizados?
Disponibilizo aqui a entrevista com a pediatra Maria Aparecida Moyses, que aborda algumas questões que envolvem a "medicalização da educação", mas não fica apenas neste campo. Vale para toda a sociedade.
3 comentários:
Olá Wladimir, concordo tanto com as tuas colocações e com as da Dra. Maria Aparecida... mas que resistência da sociedade e até o próprio fechamento da reportagem remete a "veja com o médico" (sim são eles que estão receitando...).
Chego a pensar que voltamos ao estágio "mágico" (Do mágico ao social - Moacyr Scliar) na busca pela cura miraculosa.
Vou colocar um post lá no Lugar da Fala direcionando para esta postagem ok?
Abraço
Claro, Kátia. Fique a vontade. Agradeço pelo direcionamento que fará para esta postagem.
Não conheço o "estágio mágico". Vou procurar.
Abraços.
Oi,
Adoro o seu blog, por isso tem um selinho para você em meu blog..
bjs
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